quarta-feira, 31 de março de 2010

Urbanus

Vermelho... vermelho... vermelho... e espaços de silêncio. A luz continua, intermitente, vermelho... vermelho... vermelho. Lá fora as buzinas e as vozes entram em um acorde sofisticado na noite fria e sempre, sempre acolhedora no intimo de seus mistérios. Meus mistérios nada tem a ver com isso, mas com o vermelho dos meus olhos cansados. Meus dedos fatigados seguram mais um cigarro que alterno entre um sopro ou outro no trompete. Jazz... devaneios lúdicos e roucos dos meus mistérios, das minhas súplicas para que esse céu se quebre e dele surja apenas uma leve brisa que embale minhas súplicas, minhas expectativas estéreis, meus dias de nada, minhas doses oníricas contra a razão.
Vermelho... nada...vermelho... nada... vermelho... na... da.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Funeral Blues (W.H. Auden) - Fragmento

Parem todos os relógios e cortem os telefones
Evitem o latir do cachorro com um osso suculento
Silenciem os pianos e, com tambores surdos, tragam o caixão
Deixem as carpideiras virem

[...]

As estrelas não são desejadas agora,
apaguem todas, empacotem a lua e
desmontem o sol
Deságuem o oceano e varram as árvores
Pois agora nada mais servirá

sábado, 6 de março de 2010

I. Vácuo

Dona Maria se agacha e acende o pequeno fogareiro improvisado com uma lata de leite. O carvão inicia sua lenta transformação do preto para o vermelho e, depois de um tempo, branco.

A Carapeba arde sobre a grelha e começa a estalar, como se despedindo dessa realidade ou amaldiçoando seu estado que se ia no vento do abanador. Nome interessante para um objeto que justamente fazia o fogo arder.

No céu, o canto de um pássaro desconcentra o silêncio daquela tarde insólita... o tempo parecia redundante, em círculos, andando sobre o mesmo lugar e sem sair dele.

Sigo os olhos de Dona Maria que segue em direção ao céu, observando tristemente o opaco azul. Seus olhos pareciam duas ilhas estéreis, náufragas em um deserto negro.

Ao voltar os olhos para Carapeba, Dona Maria me percebe, "o que você está fazendo aí, menino?! Não tá vendo que você vai se queimar?!". Não respondo. Em vez disso, dou uma guinada no pescoço e começo a lamber meu dorso com uma plácida calma de quem não está interessado na pergunta. Mas, em nome da carapeba que agora já lança no ar um irresistível aroma, decido assumir uma postura mais sedutora e a olho de novo, com uma doçura no olhar, e vou me esfregar em suas pernas cobertas de varizes.

terça-feira, 2 de março de 2010

Quem sou eu?

Sou a máscara que os monstros usam quando querem passar despercebidos.

O que observa criaturas copulando na chuva, à noite, com um leve rubor nos lábios.

Cria alturas

Cria agruras

Cria, e aturas

Minhas asas pesam quando ando entre as criaturas,

e é esse jogo estúpido que mais gosto de jogar: me perder em seu corpo suado

Divagar entre ínfimas distâncias, destilando adjetivos.

É assim que meço a distância: em versos,

e o tempo, em melancolia.

São de palavras as minhas asas

e quando as inflo, escuto ecos, sussurros...

Sinto a língua em meus ouvidos, morna, como seu sexo,

como o que sinto quando nem a cerveja mata minha sede.

Sou um disfarce, daqueles mais óbvios, que de tão óbvios,

são bons disfarces.

Sou a máscara que os monstros usam quando querem ter com as criaturas.

Sou alguma coisa entre o aqui e o depois.