sábado, 15 de maio de 2010

Sobre o tempo que nos separa

Tic, tac, tic, tac... sete horas. Uma leve descarga elétrica sobe por entre seus seios gloriosamente simétricos. De lá... do seu quarto... do fim do corredor... ela podia ouvir, sentir, o tilintar, o penetrar das chaves do lado de fora da porta da frente, quase como um eco. A chave entrando suavemente, tão íntima e tão certa na fechadura que parecia não haver nada mais perfeito. O tempo que isso levava pulsava em eternos segundos. Ela imaginava... não.. ela sentia, isso! ela sentia mesmo o girar da chave na fechadura tão lubrificada que facilitava o movimento de cada pino daquela engrenagem complexa e por isso perfeita, que hora trancava hora a libertava daquele universo também complexo que se confundia entre casa e casamento, sofrimento, destino, placidez. Cada pino que libertava a engrenagem da fechadura libertava a porta de sua moldura, libertava também os anseios e os impulsos elétricos que a deixavam levemente tonta. Sim... ela sentia o suntuoso toque da chave no interior secreto da porta, libertando suas trancas. Quase como um eco, quase eterno, quase livre, livre, livre mesmo que às custas de um inevitável arrombamento, mas não, não... tinha que ser suave, tinha que ser de direito à esquerdo, como a suave dança da chave. Pela permissividade da porta que, em fim, se abre.
Então Adamastor surge, rompendo o ar viciado da casa, com seus braços peludos, bigode português, óculos Ray ban e um cheiro de suor misturado com o que restava do desodorante. Era isso, exatamente esse cheiro que chegava primeiro ao seu quarto e lhe fazia os pelos ouriçarem. Era uma inexplicável ansiedade que lhe deixava as orelhas vermelhas, os lábios vermelhos e as entranhas pulsando descontroladamente.