segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Fragmento de um possível conto

D está deitado em sua cama, olhando para o teto e, pelo jeito que ele olha, não é difícil dizer que ele esteve assim a noite toda. A pálida luz da manhã, vazada pela cortina, se move delicadamente pelo quarto e vai ficando cada vez mais intensa, revelando um negro profundo embaixo dos seus olhos vermelhos.

D conta o tempo nas manchas que se formam em seu corpo, pelas marcas de sol, marcas de corte de estilete no braço, marcas vermelhas, pretas e brancas, que não estavam ali há alguns anos.


No lado esquerdo do guarda roupas só restava um grande vazio, que agora D contemplava à luz da manhã, sem perceber que o que o incomodava mesmo era um vazio ainda maior, que vinha de dentro de sua própria existência.

D então decide sair dali e vai até o quarto de sua filha de doze anos. Ela decidira realizar a labiríntica tarefa de costurar uma colcha, uma colcha de retalhos feitos das roupas da mãe. A primeira peça, que ela segura em uma das mãos, é um pedaço do vestido que a mãe usava na tarde que desaparecera: um pedaço de tecido estampado com delicadas violetas. Seus olhos parecem dois lagos negros e profundos prestes a transbordar. “Nunca vi tamanha dor em um rosto tão jovem”, pensou D, com espanto, ao ver a filha caída ao chão entre um confuso ninho de tecidos...

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